quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

REFLEXÃO SOBRE A VISITA À CASA DO GAIATO

Todos os dias ouvimos falar, ouvimos as preces daqueles que ainda esperam por uma nova manhã. Que esperam que os raios matinais tragam consigo a sorte que até aí não puderam ousar desfrutar. Todos os dias lemos nos jornais, vemos campanhas que nos pedem donativos. Todos os dias nos querem fazer mostrar o outro mundo que há por detrás daquele a que nós estamos acostumados: o nosso mundo encantado. Sim, se compararmos a nossa vida, o nosso mundo, com a desgraça, com a miséria, com a escassez de sentimentos puros que habitam fora das nossas fronteiras, podemos dizer que vivemos num bosque encantado, em que as folhas das árvores são as nossas fadas protectoras e que o leito do rio, que passa ao sabor do vento, sem força e sem turbulência, é a nossa alma, rica de espírito e imune a qualquer dor, a qualquer perda…
No entanto são raras as vezes que realmente podemos compreender parte da dura e insuportável vida a que alguns seres humanos estão sujeitos.
Hoje consegui entrar nesse mundo. Por momentos despi a capa da minha existência e passei para o outro lado. Para o lado de que nada sei.
Hoje quebrei as diferenças.
Visitei uma casa que para muitos garotos é o seu lar. O seu lar desde sempre e para sempre.
Olhei os seus rostos. Uma mistura de receio e de esperança nos seus olhos (mostravam bastante bem o que lhes ia na alma). Trocámos palavras a medo, no início. Éramos de mundos opostos. O que tenho de sobra, eles têm em escassez. E não falo só de bens materiais! Refiro-me principalmente à parte afectiva.
Poucos sabiam os significados da palavra carinho, atenção, preocupação… Olhei para eles e pensei que estava ali para lhes mostrar algo, para lhes dar as coisas invisíveis que eles nunca tiveram.
Dei tudo o que pude. Olhei-os nos olhos, dei-lhes a mão, brinquei e dei-lhes atenção.
Senti-me criança de novo. Senti o que poucas vezes sinto e agradeci a oportunidade.
Dei tanto e no entanto recebi ainda mais. Recebi daqueles sorrisos de alguém que nada mais tem para dar. Sorrisos capazes de revolucionar o mundo, de quebrar preconceitos.
Mas que disparate é este que digo? Dei tanto? O que eu dei foi uma gota. O que recebi foi um oceano!
Crianças inocentes que já sabem o que é sofrer e lutar, o que é a dor e a perda, o que é o trabalho e a injustiça. Crianças que sabem muito mais do que nós sabemos e vamos algum dia saber.
Crianças que conhecem a nudez de uma vida que nós nunca vamos despir.
Miúdos de palmo e meio que já têm uma lição para dar aos graúdos, que julgam saber tanto sobre sofrimento, mas que no final de contas nada sabem.
Por momentos esqueci a minha essência, o meu mundo recheado de tesouros e de amor.
Por momentos eles esqueceram as suas raízes, a sua dor. E não lutaram.
Durante esse tempo demos as mãos, trocámos histórias e recebemos tudo aquilo que nos enche o coração.
Escrevi este texto porque senti uma enorme necessidade de recordar e de deixar registado este dia tão especial. Um dia que me/nos ensinou tanta coisa e que nos fez dar mais valor a tudo aquilo que possuímos. Um dia em que me libertei do mundo perfeito onde vivo e entrei num completamente oposto, onde me senti extremamente bem ao brincar, ao ajudar, ao mimar ao dar tudo o que pude àqueles miúdos inocentes e carenciados de amor.
Foi um dia diferente e enriquecedor onde palavras e sorrisos me tocaram tão no fundo da minha alma como poucas vezes tocam. Onde desabafos de crianças, que se viram obrigadas a crescer demasiadamente depressa, abalaram a minha consciência, me fizeram parar e reflectir e deram outro significado às coisas que eu achava banais e por vezes dispensáveis. Coisas como o amor e o carinho, a atenção e a família.
( Ana Costa Pinto)

1 comentário:

Ana Pinto disse...

Por mais jeito que se tenha com palavras, o essencial ficou em cada um de nós que esteve presente nessa viagem ;)

Obrigado pela lembrança e pela publicação!

Um grande beijinho para os dois!
Ana Pinto